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OCUPAÇÃO DE LOCAIS PÚBLICOS PEDE EMPATIA, SUSTENTABILIDADE E ACESSIBILIDADE

Arquitetura é ferramenta para inclusão, acolhimento e valorização da vida em comunidade

A arquitetura é uma expressão cultural permanente muito valiosa. Ao mesmo tempo, espaços públicos têm papel fundamental quando se fala em bem-estar e desenvolvimento de uma comunidade. São essenciais enquanto locais para socialização, proporcionando oportunidades de lazer, diversão e saúde mental e, principalmente, de expressão cultural. Eles devem ser multifuncionais, servindo como um ponto de encontro em vez de apenas uma área de passagem.

E aí que entra a arquitetura e urbanismo, como uma maneira de interagir com esses espaços e vivenciar esses ambientes. Desde praças e parques até construções governamentais e monumentos, essa arte pode criar espaços acolhedores, inspiradores e funcionais, tornando-se um grande convite para as pessoas se reunirem e valorizarem a conexão entre si.

De acordo com o arquiteto Vinicius De Tomasi Ribeiro, ela é uma ferramenta poderosa, porém corre o risco de se mostrar fria e racional se não usada com uma abordagem humana e sensível. Tendo ampla experiência como Secretário Municipal de Planejamento e de Trânsito, Transportes e Mobilidade de Caxias do Sul (RS) e doutorando em Mobilidade e Regiões Metropolitanas, entre outros estudos, Vinicius entende que um arquiteto precisa ter uma abordagem sistêmica sobre o espaço, indo além dos desenhos e cálculos, integrar-se com diferentes profissões, como engenheiros, filósofos e sociólogos, e as pessoas no local em que estão inseridas.

SENSIBILIDADE E EMPATIA

Uma maneira que Vinicius sugere para que profissionais da área projetem locais públicos oferecendo bem-estar e convivência sadia é sentindo o que as pessoas sentem e entendendo seus comportamentos. “Às vezes me perguntam como eu projeto e de onde surgem algumas ideias. Eu pego minha prancheta de anotações e visito o local que é objeto de estudo, onde passo horas observando.

Houve um episódio em que estava projetando a revitalização de uma rua e fiquei sentado em um banquinho de praia no canteiro central, anotando todas as minhas percepções. A observação é a melhor forma de aprendizado. Todos nós fazíamos isso quando éramos crianças, antes de termos uma consciência mais desenvolvida. Como adultos conscientes, muitas vezes esquecemos disso”, aponta o arquiteto.

EXEMPLOS INTERNACIONAIS

Atualmente morando em Londres, na Inglaterra, Vinicius pode citar como exemplos projetos locais que demonstram formas positivas e eficientes de utilizar a arquitetura em espaços públicos, como a atualização e expansão da estação subterrânea King’s Cross & St Pancras International, com melhoras que chegaram a aumentar a capacidade do local para mais de 100 mil pessoas diariamente, o dobro da quantidade anterior.

Ainda, há diversas atividades relacionadas ao projeto NetZero, que pretende diminuir a emissão de gases tóxicos na atmosfera, como a renovação da Battersea Power Station, uma usina à carvão na beira do rio Tâmisa que foi transformada em um prédio que concentra um amplo parque público, escritórios, restaurantes, lojas e hotel, como também Golden Lane State e Barbican Stante. Londres também é palco do Fleet Street Quarter, uma área que deseja se tornar referência de local próspero e sustentável para morar, trabalhar e visitar. Vinicius ainda menciona como referências o trabalho de Janette Sadik-Khan em Nova Iorque enquanto membro do Departamento de Transporte da cidade norteamericana, e o Parque Cheonggyecheon, fruto da recuperação de um canal no centro de Seul, na Coréia do Sul.

Transformação da King’s Cross Station, em Londres, focou nas operações de requalificação, restauração e ampliação. Além da melhora da mobilidade para a população londrina, o novo saguão da estação torna-se um ponto à parte no turismo da cidade. O local já recebe anualmente milhares de fãs da saga Harry Potter, em busca da estação 9 3/4, presente na história.

RUAS MERECEM ATENÇÃO

 Já no Brasil, a percepção anda um pouco diferente. Vinicius sugere que o poder público se encontra limitado e cético nessa discussão. “A principal tendência quando se fala em ocupação do espaço público é repensar o papel da rua, que é um elemento central estudado atualmente. Ficou notório que o momento durante a pandemia não foi aproveitado para o replanejamento de espaços público. Estes, bem projetados, atraem recursos, pessoas e investimentos”, opina.

O arquiteto comenta sobre trabalhar na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde a movimentação intensa das ruas, com comércio, estacionamento, uso de cadeiras, mesas e outros elementos, é vista como um grande problema. Porém, ele enxerga a ocupação deste espaço popular como estratégia fundamental para agregar valor ao projeto, recuperando marcos históricos e culturais, utilizando tecnologia e observação direta no local.

INCLUSÃO NÃO É DIFERENCIAL: É OBRIGATÓRIO

Quando verdadeiramente inclusiva, a arquitetura garante sustentabilidade e segurança ao atender demandas de grupos diversificados de pessoas. Adaptação às necessidades, como mobilidade e acessibilidade, é uma discussão atual e pertinente. “Não podemos mais tolerar espaços que não sejam acessíveis e democráticos em seu uso.

No Brasil, temos quase 18 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência e cerca de 22 milhões de pessoas com mais de 65 anos. É cada vez mais difícil vê-los nos espaços públicos”, explica Vinicius. A acessibilidade não deve ser mais vista como um diferencial, mas sim como uma preocupação real e uma extensão natural de qualquer projeto. Habilidades físicas ou cognitivas diferenciadas não devem ser excludentes.

Para tanto, medidas como a instalação de rampas de acesso, elevadores, corrimãos adequados e sinalização tátil para pessoas com deficiência visual, além da disponibilização de espaços reservados para cadeiras de rodas em estabelecimentos e banheiros adaptados, contribuem para um ambiente que enaltece o senso de pertencimento. Ouvir a comunidade na hora de ocupar espaços públicos é insubstituível para uma cidade valorizar sua cultura, atualizar conceitos e implementar novas estratégias para o coletivo sempre ser favorecido e celebrado.

A recuperação do canal Cheonggyecheon, em Seul, na Coréia do Sul, transformou o antigo dreno da cidade, antes permeado apenas por veículos, em um espaço para a população e incentivo aos negócios locais.